Monotonia em Meio à Ação 16/01/2011

Foto por George Guimarães
Os dias a bordo do Steve Irwin se alternam entre dias de ação intensa e dias que parecem um longo jogo de espera, exercício de paciência. Nos dias do segundo tipo, a rotina nesse ambiente caracteristicamente confinado ajuda a manter a ordem. A escala de trabalho é de 4 horas de trabalho seguida de 8 horas de folga, duas vezes ao dia. Não temos dias de folga, ou seja, trabalhamos sete dias por semana, o que é ótimo, pois não poderíamos mesmo fazer qualquer outra coisa além daquilo que já fazemos nos intervalos entre cada turno. Aliás, não temos dias da semana, já que tudo acontece da mesma maneira esteja o calendário marcando segunda-feira ou domingo. Ter um dia de folga para poder dormir 8 horas seguidas seria ótimo (ainda não me acostumei com essa rotina de ter que cochilar de tarde, só consegui fazer isso cinco vezes até hoje), mas ter outras 16 horas livres no dia seria entediante! O que podemos fazer é ler, escrever, participar das sessões de cinema após o almoço determinadas pelo Capitão ou das sessões de cinema noturnas determinadas pela tripulação. Dessa última eu não participo porque o meu turno noturno começa às 8 da noite. O contato com o mundo externo é por meio de um endereço de e-mail compartilhado, no qual todo o conteúdo enviado é monitorado (lido) antes de ser liberado pelo Oficial de Comunicações ou outro Oficial, o que pode levar dias para acontecer. Não temos acesso à internet de outra forma, o que não apenas nos priva de acessar notícias do que se passa fora do navio, mas também impossibilita a ocupação que a navegação (virtual) proporciona. Aproveito para esclarecer que esse blog está sendo atualizado por meio do envio de textos e imagens através desse e-mail compartilhado, por isso muitas vezes há demora na atualização do conteúdo.


Manter um ritmo saudável em um ambiente confinado onde temos apenas duas áreas por onde podemos circular livremente é um desafio importante. Esses lugares são a cabine e a Mess. A cabine é pequeníssima e faz muito frio, por isso não é confortável passar por muito tempo nela. A Mess, área de convivência onde fazemos nossas refeições, assistimos televisão ou sentamos para descansar ou passar o tempo é sempre movimentada, o que em alguns momentos é bom e em outros nem tanto, dependendo do que se está buscando. Outras áreas, como o convés (deck) e a Ponte de Comando têm circulação restrita fora do horário do turno de trabalho, mas eventualmente podem estar livres dependendo do clima e da atividade em andamento naquele momento. Outra parte do tempo é ocupada lavando roupas, tomando banho (o que não ocupa tanto tempo assim já que o tempo de duração máximo permitido é de 3 minutos e... jogando xadrez contra o computador.

Foto por George Guimarães

E por falar em rotina, tenho um pedido a fazer. Se alguém puder enviar um albatroz portando um MP3 player (eu li hoje que os albatrozes podem voar mais de 1.000 km por dia), avise que informarei as coordenadas para a entrega. Eu geralmente fico bem com o silêncio. A necessidade pelo MP3 player é para sana uma emergência. Preciso de algo para sobrepor com qualquer ruído (sério, qualquer ruído) as músicas francesas que uma das tripulantes insiste em tocar durante os turnos na Ponte de Comando... ninguém merece escutar várias horas de música francesa ao dia! Ah, sim, enviem também frutas frescas, muitas frutas frescas (albatrozes são comumente vistos voando em bandos), dessas que precisam ser consumidas até dois dias após serem colhidas, frutas tropicais, com sabor de clima quente: seriguela, umbu, cajá, pitanga, graviola... se bem que até mesmo um tomate fresco já faria uma grande diferença.

Foto por George Guimarães

Nosso mundo além do navio é uma rica imensidão vazia. Para qualquer lado que se olhe, vemos água até onde a vista alcança, exceto pelo eventual iceberg, albatroz ou grupo de baleias, que nos lembram o motivo que nos trouxe aqui. Apesar de todos os inconvenientes da vida a bordo, nesse exato momento o vazio que costuma ocupar a linha do horizonte é quebrado pela presença de um navio-tanque à frente e dois navios arpoeiros atrás, o que me dá a certeza de ter tomado a decisão certa quando escolhi estar aqui.

Foto por George Guimarães

Foto por George Guimarães

Foto por George Guimarães

Navios Sedentos 13/01/2011

Acordei na tarde do dia 11 de janeiro sentindo o navio vibrar fortemente, o que indicava que estávamos navegando em velocidade aumentada. Ou seja, havíamos identificado a posição de um possível alvo. O helicóptero já estava no ar e o Gojira estava a caminho, ambos com a tarefa de identificar visualmente o que havia sido detectado no radar do Gojira no início da tarde. O que foi encontrado não foi o navio-fábrica, mas o navio-tanque, responsável pelo fornecimento de combustível a toda a frota baleeira. Conforme foi descoberto mais tarde, o navio-tanque é o Sun Laurel, de bandeira panamenha. Com o Gojira já na sua traseira no início do meu turno da noite a bordo do Steve Irwin, seriam agora necessárias algumas horas para alcançá-lo, o que aconteceria somente na manhã seguinte.

Foto por George Guimarães

Foto por George Guimarães

O dia amanheceu ensolarado como já não amanhecia há uma semana. Às 4 da manhã, lá estava ele, o enorme navio-tanque de 104 metros de comprimento. Às 11 da manhã, o Capitão do Gojira fez contato via rádio identificando-se como membro de uma organização conservacionista atuando com base em uma resolução das Nações Unidas e solicitou esclarecimentos. Naturalmente, o Capitão do navio-tanque já sabia do que se tratava, mas a formalidade é necessária para que a comunicação seja devidamente documentada. A transmissão foi acompanhada da Ponte de Comando do Steve Irwin, que apenas observou. A primeira pergunta feita pelo Capitão do Gojira foi se o navio havia realizado alguma atividade de reabastecimento da frota japonesa, ao que o Capitão do navio-tanque Sun Laurel respondeu negativamente. É interessante notar que essa é a primeira vez que um dos navios da frota japonesa responde a um chamado feito via rádio. Eles geralmente ignoram a solicitação. Seguiu-se um esclarecimento sobre a norma do Tratado Antártico que proíbe a transferência de combustíveis ao sul dos 60 graus sul de latitude, destacando que o responsável por uma embarcação que venha a infringir essa norma pode ter a sua licença de Capitão cassada. O Capitão do navio-tanque reafirmou que não estava realizando esse tipo de atividade e que se dirigiria para fora dali, rumo ao Equador. É claro, eles estavam apenas passeando abaixo dos 60 graus sul de latitude com um navio-tanque e já estavam retornando à América Central, que fica a mais de cinco mil milhas náuticas de distância (cerca de 50 dias de navegação para um navio como esse).

Foto por George Guimarães

Foto por George Guimarães

Na manhã de hoje, recebemos a presença do Bob Barker, completando a reunião de toda a frota da Sea Shepherd em torno do navio-tanque. Mais uma vez, foi emocionante ver toda a frota reunida e uma movimentação especial começava a tomar forma. Em pouco tempo, o navio-tanque foi rodeado pelas três embarcações, que se colocaram em formação no seu entorno formando um raio com poucos metros de distância, deixando clara a nossa intenção de escoltá-lo para longe da área onde está a frota japonesa. O helicóptero também sobrevoava o navio para documentar tudo. Tendo deixado clara com esse posicionamento a intenção da frota, eles foram mais uma vez alertados sobre a violação representada pela sua presença abaixo dos 60 graus sul de latitude e responderam reiterando a sua intenção de retornar ao Equador, a qual não mais poderia ser adiada. Colocado na rota certa, ele continua seguindo na mesma direção. Com a reputação conquistada pela Sea Shepherd nos últimos anos, algumas vezes sequer é preciso agir. O mero posicionamento ostensivo já causa a sujeição do adversário.

Foto por Barbara Veiga

Foto por Barbara Veiga

Foto por George Guimarães

Foto por George Guimarães
Como são tantas as normas que a frota baleeira japonesa viola nessa região do planeta desprovida do monitoramento de governos ou organizações, seria ingênuo simplesmente acreditar no que eles dizem. Por isso, continuam sendo seguidos bem de perto, há menos de uma milha náutica de distância, enquanto são escoltados para fora do Santuário de Baleias da Antártida, onde jamais deveriam ter entrado! No período da noite, o navio-tanque já havia cruzado a linha dos 60 graus sul de latitude e o objetivo agora é levá-lo para uma distância ainda maior da frota baleeira, com o que ele mostra estar de acordo já que se mantém em rota e velocidade estáveis ainda em direção ao continente americano.

Foto por George Guimarães

Tendo encontrado o navio responsável pelo fornecimento de combustível para toda a frota baleeira e o mantendo sob monitoramento cerrado, três coisas poderão acontecer: 1) a frota japonesa terá que se aproximar da frota da Sea Shepherd e tentar (em vão) reabastecer, 2) ela enviará um novo navio-tanque, o qual levaria pelo menos duas semanas para chegar até a região e implicaria em um novo custo para somar aos seus prejuízos ou 3) impossibilitada de reabastecer e de caçar, ela retornará para casa deixando as baleias em paz.

O Gojira continua navegando mais ao sul em busca do navio-fábrica, que até esse momento ainda não foi encontrado. Os dois navios arpoeiros continuam na nossa traseira, o que é bom, pois significa que não estão caçando. Eles já podem ser vistos flutuando mais altos sobre a água, o que indica um estoque baixo de combustível. Desse modo, a presença em torno do navio-tanque coloca um prazo certo para que toda a frota baleeira volte para casa. A não ser, é claro, que eles decidam intervir para afastar o Steve Irwin e o Bob Barker, situação para a qual, para não dizer que a tripulação está ansiosa para que aconteça, direi apenas que estamos muito bem preparados caso eles tomem essa decisão equivocada.

Foto por Barbara Veiga

Monitoramento Aéreo por Ativistas e pelo Governo 10/01/2011

Continua a busca pelo navio-fábrica (Nishinmaru), nosso alvo maior, pois quando for encontrado representará o final da possibilidade de caça para todos os navios da frota. Continuamos com os navios arpoeiros Yushinmaru número 3 e Yushinmaru número 2 seguindo atrás do Steve Irwin e do Bob Barker, respectivamente, mantendo cerca de 6 milhas de distância. Apesar dessa perseguição dificultar a nossa aproximação do Nishinmaru, já que por mais que estejamos nos dirigindo na rota certa a nossa posição é informada pelos navios arpoeiros e ele consequentemente ajusta a sua rota, é certo ao menos que esses dois navios não estão caçando. Resta saber se o Yushinmaru número 1 e o navio-fábrica têm estado suficientemente ocupados fugindo ao ponto de não poderem parar para caçar. Tudo indica que sim.

Foto por Adam Lau

Ontem o Gojira fez uso de uma nova arma que auxiliará na localização do Nishinmaru e que permanecia em segredo até o agora. Ele lançou ao ar um balão meteorológico equipado com câmera fotográfica e radar, capaz de captar informações num diâmetro de 150 milhas náuticas, enviando-as para os computadores a bordo da embarcação. O Gojira continua livre do rastreio dos navios japoneses enquanto busca pelo navio-fábrica.

Foto por Simon Ager

Foto por Simon Ager

Hoje pela manhã os barcos pequenos do Bob Barker, nomeados Farley e Hunter, atacaram o Yushinmaru número 2 com  bombas de fumaça. O navio japonês reagiu lançando sobre os ativistas seus canhões d’água. A ação foi bem-sucedida na medida em que deixou o navio arpoeiro há mais de 50 milhas de distância, o suficiente para perder o Bob Barker do seu radar. No entanto, enquanto a tripulação rumava de volta ao Bob Barker que estava a mais de 80 milhas de distância (algumas horas de navegação contra o vento gelado em águas minadas com growlers após estarem encharcados pelos canhões d’água), um dos barcos pequenos sofreu danos e o Bob Barker teve que retornar para resgatá-lo, sendo novamente localizado pelo radar do Yushinmaru número 2. Em um comunicado à imprensa, a frota japonesa pediu (mais uma vez) a intervenção dos governos da Austrália (porto mais próximo) e Holanda (país de registro do Steve Irwin) no sentido de impedirem as ações que eles classificam como “criminosa”.

Foto obtida no site do ICR

Foto obtida no site do ICR

Foto obtida no site do ICR

A primeira-ministra australiana, Julia Gillard, enviou na semana passada um comunicado público à tripulação da Sea Shepherd solicitando que “certifiquem-se de que todos estejam seguros nessa região remota, perigosa e muito inóspita do planeta”. Líderes do governo australiano pedem que navios do Departamento de Imigração sejam enviados à região e o líder do Partido Verde, Bob Brown, pede que sejam enviados “monitoramento aéreo e presença militar para documentar em vídeo a atividade de matança das baleias e mostrar ao mundo”.

Ao final da tarde, uma aeronave da força aérea neozelandesa equipado com instrumentos de monitoramento (uma espécie de radar que pode ser notado à distância característico de aviões militares dessa natureza) sobrevoou o Steve Irwin e, poucos minutos depois, o Bob Barker. Naturalmente, a posição da frota da Sea Shepherd não é segredo para eles, assim como não deve ser segredo a posição do navio-fábrica da frota baleeira japonesa.


Assista ao vídeo gravado pela frota baleeira japonesa referente à ação com bombas de fumaça (vídeo obtido no site do ICR):




Dança Gélida ao Redor de Icebergs 07/01/2011

Foto por George Guimarães
Muitos icebergs à volta do Steve Irwin enquanto navegávamos na manhã do dia 06 de janeiro de 2011, um mais belo que o outro. Mas a grande surpresa veio mais tarde naquela manhã, enquanto a grande surpresa do dia viria apenas mais tarde no dia. Por volta das 8 da manhã, um casal de baleia jubarte se colocava exatamente à nossa frente, e estavam tão tranqüilas com a sua posição que o Gunter teve que desviar subitamente, evitando atropelá-las. Desvio feito, velocidade reduzida, anúncio transmitido para a tripulação subir ao deck para admirá-las, agora rodando em círculos por alguns momentos. Elas pareciam mais curiosas do que nós enquanto vinham à superfície para respirar e tiravam a cabeça para fora para nos observar. Mostravam o rosto e mergulhavam mostrando a cauda. O encontro foi emocionante! Por cerca de cinco minutos rodamos em volta delas, nos observando mutuamente. Retomamos nossa rota deixando-as seguirem o seu caminho, na certeza de que o navio que nos seguia logo atrás não as machucaria pois estava (e ainda está) demasiadamente distante do navio-fábrica (uma baleia morta deve ser transferida para o navio-fábrica em cerca de uma hora ou a sua carne se torna imprópria para o processamento).

Foto por George Guimarães


Foto por George Guimarães


Foto por George Guimarães


Uma das fotos que tirei mostra uma delas colocando a nadadeira para fora da água com o navio arpoeiro ao fundo, a duas milhas náuticas de distância. Algumas pessoas diziam que ela estava acenando para nós, mas analisando melhor a foto, pude constatar que ela na verdade estava mostrando o dedo do meio para o navio arpoeiro. Analisem a imagem e concordarão comigo.

Foto por George Guimarães
Baleia acenando

Naturalmente que não viemos até essa região remota do planeta para observarmos icebergs e baleias, mas a presença deles ajuda a entreter a nossa busca enquanto varremos pacientemente um oceano inteiro a uma velocidade inferior a vinte quilômetros por hora.

Desfrutando das mesmas águas calmas que se fizeram presentes no período da manhã, recebemos durante a tarde mais uma vez a companhia do Gojira para atividades de manutenção. O turno da noite foi novamente cercado por enormes icebergs enquanto rumávamos ao ponto de encontro onde encontraríamos o Bob Barker e, consequentemente, o navio arpoeiro que o acompanha, totalizando dois navios da nossa frota e dois da frota deles. Essa seria a grande surpresa do dia. Eram 23h30 quando avistamos primeiramente o Bob Barker e rodamos em torno de um iceberg por alguns momentos. Na melhor oportunidade, desviamos a nossa rota para colocarmos a nossa proa em rota de colisão com o arpoeiro que o segue desde o dia 31 de dezembro, data em que localizamos a frota baleeira.

Foto por George Guimarães

Foto por George Guimarães

Foto por George Guimarães


Ele agora estava à nossa esquerda, a menos de uma milha e meia de distância e se aproximando a uma velocidade de 17 nós (uma velocidade bastante alta de navegação, praticamente a velocidade máxima do navio assassino). O alarme do radar soava indicando a iminência da colisão. Se nenhum dos dois desviasse, a colisão se daria de maneira precisa em menos de 5 minutos. O segundo navio, nosso companheiro dos últimos dias, se aproximava vindo de uma distância maior, mas em igual velocidade.

Foto por George Guimarães

Gunter pediu para chamar o Paul, que não havia estado na Ponte durante a noite. Eu telefonei na cabine dele informando que estávamos dançando com dois Yushins e perguntei se ele queira subir para se divertir um pouco. “Dois Yushins?”, ele indagou, desligando o telefone e subindo à Ponte em poucos segundos. O “arpoeiro do Bob” estava agora a menos de uma milha em rota de colisão com o nosso navio. 8 décimos de milha, 6 décimos... aos 4 décimos de milha de distância, o “Yushin do Bob” desviou levemente a sua rota para a esquerda de modo a cruzar a nossa proa sem colidir com ela.

Foto por Adam Lau

Enquanto mantínhamos ambos os navios baleeiros ocupados, o Bob Barker se posicionou detrás de um iceberg para despistar o radar do navio baleeiro (os radares não conseguem distinguir duas massas quando estão muitos próximas uma da outra). Funcionou por um tempo, enquanto continuávamos a perseguir o arpoeiro que cruzou a nossa proa e seguiu por um campo de growlers, levando-o para distante do local de refúgio do Bob Barker. Mas logo o “nosso Yushin”, que seguia mais atrás, resolveu vasculhar os icebergs e o nosso plano foi por gelo abaixo.

Hoje o helicóptero fez dois voos de busca pelo navio-fábrica. Avistamos novos grupos de baleias durante o dia e, ao entardecer (em torno das 22h), um pingüim curioso, o primeiro de muitos que veremos nos próximos dias, veio investigar o nosso navio. Intrigado, ele colocava a cabeça para fora e mergulhava rapidamente. Perguntei a ele se ele ou seus colegas haviam visto um navio grande na região, mas ele não respondeu.

Foto por George Guimarães

Navegando na Companhia de Baleias 05/01/2011


Foto por George Guimarães
Conforme previsto, a manhã do dia 02 de janeiro de 2011 começou com uma guerra de neve entre a tripulação do Deck e a tripulação da Ponte. Como em qualquer batalha, havia vantagens e desvantagens para ambos os lados: eles tinham o vento ao seu favor e nós tínhamos a gravidade. Eu não demorei muito para levar uma bolada de neve exatamente no coração, um golpe fatal! Logo fiz uso de minhas vidas remanescentes, dessa vez fazendo uso do estilingue para lançar as bolas mortíferas... que se desfaziam antes de atingirem o alvo. Como não havia limite de munição nem de vidas, render-se seria a única maneira de encerrar a brincadeira. Não me lembro qual das equipes se rendeu ao final, mas lembro que ambas saíram ganhando. A batalha travada às 8h30 da manhã sob uma temperatura de um grau Celsius negativo enquanto flutuávamos sobre o Oceano Antártico serviu para treinarmos a nossa pontaria para a ação dos próximos dias.


Durante os últimos quatro dias temos um arpoeiro japonês constantemente na traseira do Steve Irwin e outro na traseira do Bob Barker, que nos acompanha a uma distância grande, em outra latitude, continuando assim a varredura em busca do navio-fábrica. A parte boa de eles estarem nos seguindo para passar as coordenadas sobre a nossa posição ao navio-fábrica é que, enquanto eles estão fazendo isso, não estão caçando. A parte ruim é que enquanto estão fazendo isso, não conseguiremos encontrar o navio-fábrica.

Foto por George Guimarães

Foto por George Guimarães

Foto por George Guimarães

Nosso grande trunfo continua sendo o Gojira (que significa Godzila em japonês), nosso barco veloz que consegue facilmente deixar qualquer um dos navios da frota baleeira comendo água gelada. Por isso, ele consegue manter-se livre para buscar pelo navio-fábrica. Para nós que estamos a bordo dos navios maiores, a estratégia pode ser a de mantê-los seguindo-nos até o final da temporada (no mês de março, que é quando a água começa a congelar, impossibilitando a navegação) ou a de desabilitá-los para que possamos continuar a busca. Estamos fazendo um pouco de cada.

Foto por Barbara Veiga
Hoje, 05 de janeiro de 2011, durante o meu turno matinal na Ponte de Comando, mudamos a rota por duas vezes e mais uma vez durante o turno da noite. Em todos os momentos, fizemos uma mudança de rota de 180 graus, colocando-nos contra eles em rota direta de colisão. Em todas as vezes, eles desviaram, hora colocando-se de modo a retomar a sua posição em nossa traseira, hora colocando-se de forma a seguir-nos em uma linha paralela. Em uma dessas ocasiões, notamos que ele desviou levemente a sua rota em direção a um iceberg que estava a uma distância pequena de ambos, provavelmente buscando alguma distração da monotonia de ter que ficar na nossa cola quando na verdade desejavam estar caçando baleias. Talvez precisassem da distração por falta de humor para fazer guerras de neve para se distraírem, talvez por mera curiosidade, mas o fato é que aquele maravilhoso iceberg seria para a nossa contemplação, não para a deles. E aproveitando o atrevimento deles em terem chegado mais próximos de nós, foi traçado um plano tático. O Gojira já estava por perto, o helicóptero foi enviado ao ar, o barco Delta foi colocado na água, os rádios estavam testados e operando (quem já acompanhou outras campanhas pelo seriado Whale Wars sabe o custo gerado pelas falhas de comunicação durante as campanhas, por isso exalto quando ela funciona bem).

Foto por George Guimarães



Foto por Adam Lau

Foto por George Guimarães
Até aí, poderia parecer para eles que estávamos apenas em busca de alguma diversão, filmando o iceberg pelo ar e fotografando os barcos que se colocavam bem próximos a ele. Sabe-se lá o que eles estavam pensando, pois apesar de toda a movimentação, se mantiveram próximos. E de fato estávamos rondando esse iceberg único (bom, até aí, todos eles são únicos, mas esse realmente se destacava) de coloração azul e com formações cavernosas que em alguns pontos o atravessavam de um lado ao outro (atravessando os cerca de 200 metros de sua face menos espessa, a mais longa tinha cerca de um quilômetro). Demos algumas voltas no seu perímetro, em parte para documentá-lo, em parte para mantê-los afastados, só para importuná-los uma vez que haviam se mostrado interessados em chegar próximos a ele, mas principalmente porque preparávamos mais uma ofensiva no intuito de colocarmo-nos fora do alcance do seu radar para que pudéssemos estar livres. Para isso, o trabalho ficaria ao cargo do Gojira, que os atacaria e os distrairia enquanto corríamos.

Foto por George Guimarães

Foto por George Guimarães

Talvez inadvertidos por ter sido essa a primeira investida realizada pelo Gojira, ou por estarem confusos com a aproximação simultânea do Gojira, do Delta e do helicóptero, o barco veloz não teve dificuldade de realizar a sua tarefa. Atravessando por diversas vezes a frente do navio arpoeiro, passando a apenas 10 metros de sua proa ou de sua lateral, o Gojira lançou  garrafas contendo ácido butírico em seu deck. O helicóptero e o barco Delta acompanharam a ação por alguns momentos, mas logo retornando ao Steve Irwin para que pudéssemos iniciar o plano de evasão. Enquanto trazíamos os dois a bordo, e acompanhando toda a movimentação pelo radar, começamos a rumar na direção oposta do local onde era travada a batalha.

Foto por George Guimarães

Apesar de termos ganhado boa distância até que o navio arpoeiro parasse de rodar em círculos enquanto fugia do Gojira, não demoramos a ser alcançados por ele, que apesar de não ser tão veloz quanto o Gojira, é mais veloz que o Steve Irwin, que só pode despistá-lo se ele for mantido ocupado até que tenhamos saído do alcance do seu radar, o que representa muitas milhas náuticas, ou mais de uma hora de corrida sem sermos perseguidos. Com isso, mantemos a companhia dos japoneses ao alcance da nossa vista. Até a próxima oportunidade.

Foto por George Guimarães
O clima por aqui muda constantemente. Em uma única hora, ele muda de ensolarado, para nublado, para nevado. O temperamento da água muda igualmente, de calmo para agitado, de liso para ondulado. Só a temperatura é que se mantém mais estável, sempre um pouco abaixo de zero grau Celsius. Esses dias têm sido repletos de vistas de icebergs, albatrozes e... baleias! Em dias anteriores, havíamos avistado muitos jatos de baleias (resultantes da sua respiração), mas nos últimos dias eu pude finalmente avistá-las! Um dia uma, outro dia outra, hoje duas de uma só vez, uma delas até me mostrou a sua cauda! É reconfortante vê-las nadando, sabendo que não estão sendo mortas graças à nossa presença, mas é também preocupante testemunhar como elas poderiam ser alvo fácil dos arpões armados com explosivos que mancham de vermelho as águas puras e cristalinas dessa região remota do planeta.

Foto por Simon Ager

Foto por George Guimarães


Foto por George Guimarães


Foto por George Guimarães

Conforme mencionado no início desse texto, em qualquer batalha há vantagens e desvantagens para ambos os lados, do contrário um dos lados não se disporia a ela. No caso dessa Guerra Gélida, nossa principal vantagem é a paixão que carrega cada um dos voluntários que se dispõe a dedicar seu tempo e sua energia, e a abrir mão do seu conforto e da sua segurança, para estar aqui, na certeza de que essa é a coisa certa a ser feita. A cada ano, voltamos à Antártida mais fortes, e os baleeiros voltam mais fracos. Com uma campanha bem-sucedida nesse ano, eles voltarão para casa sem ter derramado uma gota de sangue e com isso terão o maior prejuízo econômico de toda a sua história. Com isso, essa poderá muito bem ser a última campanha da qual as baleias precisarão, pois enquanto estivermos aqui, nenhuma baleia será morta na Antártida!


O dia terminou com um lindo pôr-do-sol (às 23 horas), concedendo-nos mais um raro fenômeno com o qual a natureza nos presenteia aqui no extremo Sul do nosso planeta. Ele é conhecido como Green Flash, onde o último raio de luz projetado pelo sol é visto, por menos de um segundo, na cor verde.

Foto por George Guimarães


Vídeo feito pelos japoneses durante a aproximação do Gojira